sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O Kendo e sua História


por Sensei Toshinobu Endo, Vice-Presidente da CBK


Gostaria de, brevemente, expor sobre o Kendo e sua História.
No Japão, desde os seus primórdios, dentre vários armamentos, a espada vem sendo reverenciada. Isso se deve ao fato de haver muitas histórias relacionadas à espada, nos mitos e lendas japonesas. Além disso, as espadas eram ofertadas como tesouro divino aos templos ou recebidas como símbolo da nomeação de um generalíssimo.
A espada, assim reverenciada, era eficaz como artefato de segurança e também necessária para se proteger da invasão inimiga e para preservar a paz e a ordem estabelecida. Além disso, era respeitada como alicerce espiritual do seu portador, expressando o sagrado.
Essa tradição de ver a espada como objeto sagrado e como tesouro ainda hoje persiste na cultura japonesa. Penso que essa percepção especial dos japoneses em relação à espada exerce influência na maneira como os japoneses percebem o Kendo desde sua criação na idade média japonesa, em seu passado recente, vindo até os dias de hoje. Ou seja, creio que a espada está ligada a cultura japonesa nos seguinte sentidos::
  • Ser a justiça que exclui a maldade e os maus espíritos;
  • Ser o símbolo da majestade, da função e da posição;
  • Simbolizar o compromisso e dar valor à lealdade;
  • Simbolizar o domínio do grupo e a paz.

Foram desenvolvidas pesquisas, sob vários enfoques, sobre o uso da espada japonesa no período feudal, que perdurou por cerca de 700 anos, desde o início da era Kamakura, em 1192 d.C., até a restauração Meiji, em 1868 d.C.
Por exemplo, até o ano de 940 d.C., toda espada reta (chokuto) tinha gume duplo (hiradzukuri). Supõe-se que a técnica para manejá-la era relativamente simples.
A lâmina reta, de até então, passou por um processo de transformação até apresentar uma curvatura e adquirir um gume e costas (shinogidzukuri). Essa transformação foi um longo processo moldado nos campos de batalha até que a superioridade desse novo formato prevalecesse.
Junto com a mudança em seu formato, a técnica de seu uso também evoluiu, ou co-evoluiu, já que forma e técnica são causa e conseqüência uma da outra. A técnica foi aperfeiçoada, tornando-se mais complexa.
Pelo fato da espada ter adquirido um formato de lâmina curvo e com costas, surgiu uma técnica de manejo aprimorada nos campos de batalha, que foi instituída como a técnica de esgrima japonesa. Essa veio a se firmar como a base técnica do Kendo atual.

Por volta do ano de 1350 d.C., o uso da espada japonesa deu um grande salto. A partir de 1467 d.C., por cerca de 100 anos, o Japão passou por um período de guerras civis. Como conseqüência, para a auto-proteção ou para projetar-se na vida, surgiram muitos que quiseram aprender as técnicas do Kendo e aos poucos esse “caminho” alcançou a mais completa prosperidade.

Como conseqüência, a técnica foi estruturada sob o nome de Kenpo e surgiram especialistas em Kendo, sendo que muitas escolas tornaram-se transmissoras desses conhecimentos particulares a cada uma delas. Dentre essas escolas de Kendo da época, podemos citar as 3 mais tradicionais: a Shintoryu, a Kageryu e a Chujoryu.
O método de treinamento de Kendo daquela época não usava espada de bambu, nem protetores como usamos atualmente e, por consistir no treinamento sem proteção de rosto e mãos e empunhando uma espada de madeira, não permitia que se batesse livremente. Ao que parece, cada escola praticava repetidamente suas técnicas elaboradas, mas paravam os golpes muito próximos do rosto e das mãos, sem atingi-los.
O acúmulo de horas de treinamento fazia com que a pessoa lograsse parar o golpe próximo à pele do oponente e o grau de proximidade a esse, refletia o nível de desenvolvimento do praticante.

Nesse período, a era Muromachi, o Kendo era chamado de Heiho, o caminho do soldado.
A partir de 1615 d.C., com o sistema feudal já instalado, foi estabelecido o sistema de classes. Esse sistema propiciou ao Kendo um desenvolvimento especial, como algo próprio à classe guerreira, com um treinamento estimulante como forma de aperfeiçoamento. Assim, dentre os guerreiros, as técnicas do Kendo foram exploradas e aos poucos formatadas e estruturadas.

Por um lado, pode-se considerar que o Kendo, recebendo a influência do Zen-budismo e do confucionismo, aprimorou suas técnicas ao mesmo tempo em que ganhava elementos morais e espirituais. Logo começou a ser praticado pelos guerreiros como um treinamento educacional que visava a formação do caráter guerreiro para a vida cotidiana e para as atitudes espirituais. Isso significava que o desenvolvimento espiritual, conquistado por meio da prática do Kendo, conduzia ao caminho da formação do ser humano, cujo objetivo era o ideal de elevar o nível espiritual de seu cotidiano.

Por outro lado, também, pode-se pensar que uma das razões do estímulo ao desenvolvimento da inter-relação entre a estética e a técnica, se deve ao fato da forte característica cultural japonesa de buscar a estética.
Por volta de 1712 d.C., Yamada Heisaemon e Naganuma Shiro da escola Jikishinkageryu e Nakanishi Chuzo da escolaIttoryu, por sua vez, aproximadamente em 1754 d.C., propuseram protetores primitivos e, nos treinos de suas escolas, passaram a utilizar a espada de bambu, o que trouxe um formato de Kendo próximo ao que conhecemos na atualidade.

Nesse método de treino eram requisitados muitos elementos espirituais, que foram cultivados, provavelmente, como pano de fundo para a manifestação da técnica dentro do processo de treinamento e como usar de forma melhor e mais correta a espada de bambu, segundo os cânones da espada.
Como conseqüência, o Kendo, dentro do processo de treinamento de suas técnicas, desenvolveu a relação entre natureza humana e técnica, construindo, assim, as bases de uma filosofia do Kendo como caminho de busca para a vida e a existência humana.

Do início do fechamento do Japão ao mundo exterior, em 1639 d.C., até o ano de 1866 d.C., nos quase 230 anos que correspondem à era de isolamento do Japão, devido à continua paz reinante, a necessidade de uso de arma de fogo foi abolida e o desenvolvimento desses artefatos interrompidos. Apesar disso, o uso da espada perdurou ao longo dos séculos. E como conseqüência, o Kendo, de um caminho cuja técnica era posta a serviço da luta física, que punha em jogo a vida ou a morte, acaba por atingir um elevado patamar, cujo caminho visava a educação e a formação do ser humano.

Como resultado do povo japonês, que desde os seus primórdios, cultivou uma educação calcada no caminho da pena e da espada, surgiu o Kendo, que se desenvolveu visando a formação do ser humano e propiciando o caminho do guerreiro. Toda a evolução desta arte marcial ocorreu na era feudal, que perdurou por 700 anos, terminando em 1868 d.C. Com a restauração Meiji, como primeiro passo para a modernização, foram introduzidos muitos elementos culturais da civilização européia no Japão e a cultura tradicional, por um tempo, foi deixada em segundo plano. Em 1876 d.C., a classe dos guerreiros – os samurais – foi extinta e, ao mesmo tempo, a prática de Kendo nas escolas foi abolida, chegando esta arte marcial até mesmo a defrontar-se com o perigo da extinção.

Mais tarde, em 1890 d.C., o Kendo volta a ser praticado nas escolas como atividade extra-curricular e, novamente, aos poucos, prosperou.
Em 1895 d.C. foi criada a Associação Dai Nippon Butokukai, congregando todas as escolas de Kendo. Foi estabelecida uma política de difusão e de desenvolvimento da orientação desta arte marcial, cujas atividades prosperaram por todo o território japonês.

Entretanto, com a derrota na Segunda Grande Guerra Mundial e por ordem do Comando Supremo das Tropas Aliadas no Japão, em dezembro de 1945, a prática do Kendo foi totalmente proibida por ser considerada manifestação do ultra-nacionalismo pré-guerra e parte importante do treinamento militar durante a guerra.
Mas, em 1952 d.C., com a entrada em vigor do Tratado de Paz, o Kendo começou a trilhar o caminho da revitalização e nesse mesmo ano foi criada a Liga Nacional de Kendo.

A tradição do Kendo não permaneceu como era outrora, foi se adequando aos novos tempos e modificações foram introduzidas para adaptar-se à sociedade moderna, formando o embrião do Kendo contemporâneo. Isso, inegavelmente, significa uma transição e transmissão cultural bem sucedida.
Quando da prática do Kendo, dentre os elementos que expressam a técnica, segundo o grau de desenvolvimento técnico do praticante, são de fundamental importância o espírito e o modo de encarar a vida do praticante, principalmente o quanto das regras de etiqueta o praticante internalizou.

Principalmente, em relação ao espírito podemos dizer que os tratados de transmissão de Kendo de escolas como ShinteitoryuKyoshinmeichiryu e Nenryu apontam que o treinamento espiritual não é apenas necessário e, sim, uma tarefa extremamente difícil de ser cumprida.

Além disso, a racionalização e a ética, que permeiam as relações humanas, as regras de etiqueta, que se desenvolveram a partir do desejo de desfrutar essa atividade e que privilegiam o decoro, a compreensão e o respeito ao oponente, se efetivam no praticante do Kendo, pela habilidade conquistada através do treinamento.
Essa postura faz nascer um “algo” em termos espirituais global. Esse “algo” é, ao mesmo tempo, a pessoa e o caminho da espada que a mesma percorre. Dessa maneira, desenvolveram-se gradativamente e sublimaram-se as técnicas do Kendo, assim cultuado, bem como a forma de levar a vida de seus praticantes e seus elementos espirituais. Estruturalmente, também, foi transmitida uma correlação estreita de interdependência entre seus elementos e podemos dizer, que hoje em dia, se constitui uma organização cultural própria do Japão.
Essa postura faz nascer um “algo” em termos espirituais global. Esse “algo” é, ao mesmo tempo, a pessoa e o caminho da espada que a mesma percorre. Dessa maneira, desenvolveram-se gradativamente e sublimaram-se as técnicas do Kendo, assim cultuado, bem como a forma de levar a vida de seus praticantes e seus elementos espirituais. Estruturalmente, também, foi transmitida uma correlação estreita de interdependência entre seus elementos e podemos dizer, que hoje em dia, se constitui uma organização cultural própria do Japão.
Assim sendo, podemos pensar que a estrutura da etiqueta em relação ao oponente, em especial dentro do estilo de vida e da técnica do Kendo, cultivado ao longo de um processo histórico, é o elemento central dessa cultura tradicional. O Kendo, diz-se, começa com uma reverência e termina com uma reverência. A relação dos participantes no treinamento é de companheiros que aprendem juntos o Kendo e, é central, a idéia de que não são oponentes em relação de enfrentamento.

O vencer ou perder de uma luta é uma questão casual e natural. O comportamento que evidencia a preocupação com a luta como algo sem conseqüência futura, algo apenas do momento presente, deve estar sempre na mente dos praticantes. Deve ser enfatizado um comportamento severo em relação a si próprio, o que leva o participante a regular o seu eu para, construindo a sua interioridade, elevar-se espiritualmente. É, em conseqüência desse comportamento, que nasceu o espírito cortês que reverencia o parceiro e a honra.
No treino, quando não está ainda controlada a excitação psicológica, decorrente de severos ataques e defesas, é fundamental que os participantes façam mutuamente uma cortês reverência, refreando essa excitação. Através desse gesto, acredita-se que se está forjando a própria interioridade que controla as ações.

O fato de obedecer um formato assim rígido, propicia o auto-controle e a auto-disciplina e é algo que leva ao “caminho” –DO – que busca a existência e a forma de vida humanas. É algo que educa o espírito e enobrece o coração para a justiça do ser humano.
Em resumo, o Kendo é uma prática que privilegia a reverência correta e cortesia para com o oponente e a atitude severa para consigo mesmo, cujo sentido está na educação de um espírito justo e honrado. Assim, observando esta arte marcial através da história, vemos que essa prática possui um profundo conteúdo espiritual e educacional.

Olhando para o futuro, percebemos que o Kendo, por ter esse caráter espiritual, não perderá suas características e sua forte ligação com a cultura japonesa. Com o passar do tempo, e sempre apoiando-se nas tradições do passado, buscará novos métodos e conhecimentos para levá-lo a uma posição ainda mais valorosa e de destaque espiritual. Penso ser essa a missão dos que praticam Kendo.
Muito obrigado pela atenção,

Toshinobu Endo
Confederação Brasileira de Kendo – Vice-Presidente
Federação de Kendo do Rio de Janeiro – Presidente

Tradução: Sonia Regina Longhi Ninomiya - outubro de 2007.

fonte:http://www.cbkendo.esp.br/artigos/kendo_e_sua_historia.asp

foto:https://www.facebook.com/rjkendo/photos/pcb.534432523353778/534431643353866/?type=1&theater

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