O que confere tanto valor à leitura da tradução do Tengu-geijutsu-ron em sua íntegra, é a enorme quantidade de pensamentos e teses das mais variadas procedências, e a riqueza de imagens e comparações que configuram, talvez melhor do que muitas palavras, o conteúdo de um conceito, a força e a absoluta sinceridade humana com que o autor defende a sua convicção - pois ele considera verdadeiramente o Caminho que propaga como o único caminho real, em cuja trilha não só o artista da espada, mas também o homem, pode fazer jus à sua determinação. Se no decorrer desse Caminho, por vezes ele se torna intolerante, podemos atribuir isso às suas boas intenções, e não às más.
Porém, o mérito do Tengu-geijutsu-ron também consiste em erradicar da arte das espadas a reputação de atividade voltada apenas para a morte - que lhe foi conferida por muitos contemporâneos de Shissai - e incorporá-la ao sistema confucionista, que encara o mundo, a vida e o homem de modo positivo. Se, no decorrer desse processo, Shissai remonta a pensamentos e a representações budistas, ele só é pessoalmente culpado destas circunstâncias confusas em segunda instância. O principal responsável por esse estado de coisas é o sistema neoconfucionista, que encerra em seu interior várias influências budistas e com o qual Shissai se identifica. Outro mérito do Tengugeijutsu-ron é sua incessante insistência na aceitação universal das leis da arte das espadas em todos os setores da vida humana, e também numa postura sensata e sincera em relação a todas as tentativas de mistificação.
A forma de emoldurar os contos em que os pontos de vista de Shissai são transferidos para a boca dos Tengu é um mero artifício literário e talvez não facilite essas tentativas de mistificação, mesmo se através dessa forma e por intermédio da escolha do título, Shissai quisesse apelar para um tipo de leitor que ele pretendesse converter.
Porém, de modo algum se poderá negar ao Tengu-geijutsu-ron o caráter de uma obra instrutiva e proselitista.
Para orientar a tradução do Tengu-geijutsu-ron, reproduzimos a seguir, em síntese, as mais importantes teses de Shissai:
1 ) A perfeição na arte das espadas consiste em dois componentes: a segurança técnica e o entendimento espiritual. Ambos devem formar uma unidade, e são inalienavelmente interdependentes.
2) A compreensão espiritual se manifesto na "naturalidade do coração". Quem pratica a arte das espadas deve corresponder, espontaneamente, à eventual situação, sem se irritar de modo algum por qualquer sentimento ou intenção. A reação deve seguir-se de imediato, como o espelho reflete uma imagem. E não deve apegar-se à situação.
3) Essa absoluta franqueza diante da situação só é alcançável quando os componentes individuais da constituição psicofísica (Princípio, fluido e coração) têm condições de se desenvolverem sem restrições. Pode-se exercer influência sobre esse processo por intermédio da prática.
4) Contudo, a perfeita arte das espadas, alcançada através da segurança técnica e da plenitude espiritual no sentido mencionado, não é um valor em si. É preciso que seja praticada em uníssono com as principais éticas básicas da humanidade, da moral e da lealdade. Só tem valor na medida em que é proveitosa para a sociedade e para o Estado. Por negar esses valores, o budista não pode ser um verdadeiro mestre da arte da espada. O domínio dessa arte está restrito a quem segue a trilha de Confúcio e, portanto, o caminho do Universo.
Shissai Chozan é severo em suas exigências. Ele leva o homem muito a sério, assim como as reivindicações do meio ambiente no que lhe diz respeito. E não é de seu feitio lidar de modo irresponsável com uma arte na qual a vida e a morte de um homem podem estar implicadas. Desse modo, sua obra também é um documento que pertence à humanidade, apesar de seu tema bélico e de seus ataques contra o Budismo. Dentro de seus limites, ele preencheu as exigências de Confúcio quando este se dirigiu a Tzu-hsia:
"Que sejas nobre em tua sabedoria, e não sábio em tua maldade!"
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