quinta-feira, 30 de agosto de 2012

GEISHA, musa do mundo flutuante


ORIGEM DAS GUEIXAS (geisha)

O surgimento da gueixa tem muito a ver com a maneira pela qual a sociedade japonesa foi organizada durante o governo dos xoguns da família Tokugawa, também conhecido como a Era Edo (1603 - 1867). No século XVII, nas primeiras décadas do estabelecimento do xogunato, crescentes medidas de controle da vida civil foram tomadas objetivando não só estabilidade interna, mas a manutenção do clã Tokugawa no poder, o que deu à sociedade como um todo uma forma feudal, rígida e hierarquizada, de pouca mobilidade de uma classe a outra e fechada em si mesma. Influências externas, como o cristianismo, eram vistas como negativas e subversivas, de tal modo que em 1637 um édito do xogunato ordenou a proibição do comércio e da vinda de navios europeus (excetuando os holandeses da Cia. das Índias, que eram tolerados por não misturar religião ao comércio, e que ficavam isolados em uma ilha perto de Nagasaki) e a expulsão dos estrangeiros, impondo um isolamento do Japão que se estenderia por dois séculos.

O controle do governo sobre a sociedade civil atingiu em especial as mulheres. Excetuando os papéis de mãe, esposa e dona de casa, não havia uma profissão que uma mulher pudesse exercer, que não fosse na condição de auxiliar de seu marido na agricultura, ou num comércio dirigido pelo esposo - trabalhos que eram considerados "obrigação" da mulher e que, por isso, não recebia uma remuneração específica. A falta de opções de profissões para as mulheres foi agravada em 1629, quando por lei o xogun tornou o teatro uma atividade proibida às mulheres. Impedidas de praticar atividades de entretenimento em público, os palcos foram rapidamente ocupados por homens travestidos, para substituir a presença feminina em cena. Não tendo um marido ou uma família que a sustentasse, restava à mulher apenas a prostituição como meio de subsistência.

A palavra geisha significa literalmente "pessoa da arte, artista", e ela foi originalmente usada para designar comediantes e músicos que se apresentavam em banquetes e festas particulares no século XVII. Assim, as primeiras gueixas não foram mulheres, mas homens. 
Os otoko-geisha (artistas masculinos) eram especializados em entreter pequenas platéias em festas, dançando, cantando contando histórias e piadas. Como os palcos estavam proibidos às mulheres, as festas privadas tornaram-se os únicos lugares onde as mulheres podiam tocar música, dançar e cantar, e assim surgiram as onna-geisha (artistas femininas).

Entretanto, aquela era uma época em que a atividade artística e prostituição se confundiam. Donos de pousadas e de casas de chá ofereciam suas funcionárias, que de dia eram arrumadeiras e garçonetes, como prostitutas à noite, ao que se dava o sutil nome de "serviço de travesseiro". Nem sempre se tratava de prostituição voluntária - patrões inescrupulosos diziam às empregadas "agrade o cliente ou vá embora". Em sua origem o teatro kabuki era predominantemente feminino, porém muitas dançarinas de kabuki se prostituíam e escândalos de samurais envolvidos com elas na capital foram a causa da proibição de 1629. Assim, a clientela dos banquetes não esperava menos das mulheres artistas. Embora durante muito tempo a atividade de gueixa confundiu-se com prostituição, a partir do século XVIII medidas que oficializaram e regulamentaram a prostituição acabaram distinguindo as prostitutas das gueixas.
                 foto: fonte do site http://quartosdelua.blogspot.com.br/2009/05/geisha.html

PROSTITUIÇÃO LEGALIZADA

No ocidente, considera-se prostituta a mulher que mantém relações sexuais mediante pagamento. Basta a mulher fazer isso uma só vez, que ela acaba sendo considerada prostituta sempre. No Japão, é necessário saber se a mulher vive disso, ou seja, para ser considerada prostituta é preciso que ela faça das relações sexuais mediante remuneração sua principal fonte de renda. Se uma mulher tem amantes mas obtém renda de atividade diversa da relação sexual paga, ela não é considerada prostituta. Tal distinção não é meramente conceitual. Ela foi necessária na instituição da prostituição legalizada no Japão feudal.

Com paz interna, a vida urbana no Japão floresceu graças à estabilidade e ao sankin-kõtai (presença alternada), sistema criado em 1635 pelo governo que obrigava os daimyõs (senhores feudais das províncias) e seus samurais a morar em Edo (atual Tóquio) por alguns meses. Com hordas de daimyõs e samurais indo e vindo pelo país, vilas e cidades se prepararam para fornecer produtos e serviços aos viajantes e o comércio prosperou. Éditos do xógun passaram a impor rigorosa organização nas cidades, intervindo até em aspectos dos mais particulares da vida civil.

No Japão feudal, casamentos eram arranjos de interesses entre famílias, e não uniões por amor. Assim, a maioria dos homens considerava que sexo com as esposas era "por dever", ou seja, para procriação e preservamento da família ou clã. Sexo com prostitutas, por outro lado, era "por prazer", ou seja, sem responsabilidades. Não tendo as próprias religiões locais (o budismo e o xintoísmo) fortes restrições ao sexo comparadas às religiões ocidentais (de base judaico-cristã), a tolerância à prostituição era grande na sociedade feudal japonesa. Longe de casa e das esposas, samurais ávidos por diversão invadiam as cidades. Assim, foram criados os "bairros do prazer", onde se concentravam teatros, restaurantes, pensões - e os bordéis. Concentrados, até cercados com muros e portões, as autoridades tinham mais controle sobre tais bairros, seja sob o caráter repressivo, seja sob o tributário. Enquanto não legalizada, a prostituição nada rendia ao poder público, mas criando bordéis oficiais a atividade passou a ser lucrativa também para o governo.

As profissionais do sexo, genericamente chamadas de jorõ (prostituta, cortesã), passaram a ser obrigadas a morar em bordéis, que passaram a ser administrados como pequenas empresas e onde havia uma hierarquia interna. As mais jovens eram chamadas de yûjõ (mulher do prazer) e as mais experientes eram as oiran ou age-jorõ, que eram letradas e eram responsáveis pela organização e administração do bordel. As age-jorõ eram acima de tudo versadas nas chamadas "artes do sexo", que mantinham como um conhecimento secreto e exclusivo. Há registros de que uma prostituta, para chegar a age-jorõ precisava, por exemplo, conhecer as "48 posições do prazer", saber quais mariscos, peixes e raízes serviam de afrodisíacos, e como agradar um homem fingindo um convincente orgasmo (quanto mais homens ela pudesse atender em um dia, maior era o lucro, e para tanto ela precisava se preservar). Uma das técnicas secretas mais exóticas e chocantes era o seppun, o "ato sexual com a boca". Nós chamamos isso de beijo.

Mas é de conhecimento universal de que onde há regras, controle e cobrança de impostos, há também os que procuram meios de burlar o sistema. As mise-jorõ (prostituta de loja) normalmente eram serviçais em restaurantes e pensões, que patrões ofereciam aos clientes para favores sexuais como um "serviço por fora", conseqüentemente, livre de impostos. Como formalmente as mise-jorõ eram arrumadeiras ou garçonetes, elas não eram consideradas prostitutas, e assim não eram obrigadas a viver num bordel. Prostitutas que não queriam viver num bordel, ou sujeitar-se a um patrão-cafetão, arriscavam-se procurando clientes longe dos bairros do prazer. Uma característica das prostitutas de rua da época era uma esteira de palha, que elas carregavam enrolada debaixo do braço para rapidamente poder atender um cliente num lugar mais discreto ou no meio do mato. Podendo ser presas por prostituição ilegal, ao avistar um policial elas se apressavam a esconder ou livrar-se da esteira.

Vários bordéis oficiais no Japão feudal estavam longe de ser casas apertadas em vielas escuras, com cubículos espartanos e sujos. Eram limpos, espaçosos, agradáveis; alguns até tinham estrutura para promover banquetes. Era mantendo tal atmosfera que as prostitutas procuravam atrair uma clientela grande e freqüente, e para entreter os clientes também chamavam gueixas - homens e mulheres - para tocar, dançar e cantar. Embora as yûjõ e as jorõ fossem o principal motivo da presença da clientela e fossem as "donas da casa", eventualmente um ou outro cliente acabava se interessando pela - ou pelo - gueixa, o que obviamente criava rivalidade entre prostitutas e gueixas. Além disso, enquanto as prostitutas eram obrigadas a morar em bordéis seguindo regras de hierarquia e não podiam deixar os limites dos bairros do prazer (para evitar que saíssem, elas só podiam andar nas ruas escoltadas), os e as gueixas não sofriam tais restrições. Tais fatores causavam um tipo de "concorrência desleal", e por isso as prostitutas faziam segredo de seu arsenal de técnicas erotizantes. A situação entre gueixas e prostitutas só se tornou mais definida a partir de 1779, quando um decreto do governo reconheceu a profissão de gueixa.

DEFININDO O ESPAÇO DA GUEIXA

Em 1779, a gueixa foi reconhecida como praticante de uma profissão distinta da prostituição e foi criado o kenban, um tipo de cartório específico para registrar gueixas e fiscalizar o cumprimento das regras que a partir de então passaram a reger a profissão. Apenas gueixas registradas no kenban eram reconhecidas e tinham autorização para trabalhar. Algumas regras que as gueixas passaram a ter que seguir eram parecidas com as das prostitutas, como a obrigatoriedade de viver nas okiyas (casas de gueixas). Mas outras as diferenciaram das prostitutas. É importante observar que as prostitutas tinham prioridade em relação às gueixas na sociedade japonesa da época, pois a função e situação delas já estava definida há tempos. Assim, muitas das regras do kenban visavam limitar o que as gueixas podiam fazer.

Como artista, a gueixa tem a obrigatoriedade de ser versada em música, dança, canto e literatura - a prostituta não. A prostituta vestia-se com os quimonos mais brilhantes, estampados e extravagantes que tivesse - a gueixa foi proibida de usar tais quimonos e obrigada a ter um visual mais discreto. As prostitutas usavam até uma dúzia de kanzashis (grandes espetos decorativos para o cabelo, considerados jóias) e até três pentes de casco de tartaruga na cabeça - a gueixa foi limitada a três kanzashis e um pente. As gueixas foram proibidas de usar o obi amarrado na frente, que se tornou característico das prostitutas (como a prostituta vestia-se e despia-se várias vezes ao dia, era mais rápido e prático amarrar o obi na frente do que atrás). E as gueixas foram proibidas de dormir com os clientes das prostitutas.

Se uma prostituta acusasse uma gueixa de roubar seu cliente, o kenban fazia uma investigação, e se a gueixa fosse considerada culpada, ela podia ser suspensa ou expulsa da profissão. Para evitar que uma gueixa fugisse da casa de gueixas, ou caísse na tentação de dormir com um cliente das prostitutas, elas foram obrigadas a andar com a escolta de um homem de confiança da responsável pela okiya onde ela vivia.

As restrições do kenban moldaram não só a aparência, mas o que efetivamente a gueixa se tornou e é atualmente. Para ter condição de artista, as gueixas passaram a dedicar enorme tempo ao estudo e treinamento em artes, e passaram a ser valorizadas e remuneradas como entertainers. Proibidas de ter a aparência rica mas aperuada das prostitutas, as gueixas tornaram-se mestras da elegância, da beleza discreta e da sensualidade insinuada. Atrair os homens era, como ainda é, básico para elas formarem uma clientela, mas sexo não era, como ainda não é, a finalidade pela qual os japoneses contratavam uma gueixa - para isso existem as prostitutas. Diferentemente das prostitutas, gueixas podiam se recusar a ter sexo com um cliente, mas não se podia evitar que gueixas tivessem relacionamentos sexuais com seus próprios clientes (desde que não fosse cliente de uma prostituta, tudo bem). Com o tempo, a figura do homem de escolta foi substituída pelo camareiro - um profissional especializado em vestir gueixas.

Por volta de 1780 ainda haviam otoko-geisha, embora as mulheres fossem esmagadora maioria na profissão. No início do século XIX, gueixa era invariavelmente uma mulher.

GUEIXAS CHEGAM À MESA

Tocar, cantar, dançar e contar histórias para entreter os comensais num banquete. Essa era a principal atividade exercida pelas gueixas. Sentar-se à mesa e fazer companhia para os homens era algo que só as prostitutas faziam - mesmo porque elas queriam garantir que seus clientes quisessem sua companhia após o jantar. Mas aos poucos, os próprios clientes passaram a pedir que as gueixas também se sentassem à mesa. Educadas e cultas, as gueixas tornavam a conversação mais agradável e o tempo fluía mais rápido. Com as gueixas, os clientes conseguiam um tipo de relacionamento que não conseguiam ter com suas esposas, ou mesmo com as prostitutas. E nem sempre os homens que íam aos banquetes queriam fazer sexo depois de comer. Percebendo que muitos queriam apenas distrair-se, ou quando muito flertar, as gueixas descobriram seu público.

Para formar clientela própria, as gueixas passaram a evitar os bordéis e concentraram suas atividades em restaurantes e casas de chá, ou abriam suas próprias casas de chá. Por volta de 1840, uma gueixa chamada Haizen decidiu aprender um pequeno ofício que era executado até então somente por homens: servir saquê à mesa. Haizen passou fazer o mesmo, bem como fazer companhia à mesa aos convivas. Ela rapidamente tornou-se a gueixa mais requisitada de Kyoto e todas passaram a fazer o mesmo. Desde então, as gueixas vêm desempenhando o papel de anfitriãs em banquetes, servindo bebidas e conversando com as pessoas, além de dançar, cantar, contar histórias e fazer jogos de salão.

Durante o bakumatsu, os anos do ocaso da Era Edo, as casas de chá de gueixas foram estratégicas para a organização do movimento que restaurou o poder ao Imperador e destituiu o xogunato Tokugawa. Contando com a discrição e o voto de segredo das gueixas, as casas de chá tornaram-se importantes locais de reunião para os "conspiradores", uma vez que reuniões estavam proibidas pelo governo feudal. Nas casas de chá e restaurantes entretanto, era totalmente aceitável a movimentação de clientes e pequenas aglomerações, e isso encobria eventuais reuniões políticas. Quando o Imperador Meiji subiu ao trono em 1867, a colaboração das gueixas não foi esquecida. Na Era Meiji (1868 - 1912) promoveu-se rápida e intensa ocidentalização e modernização do Japão, com a implantação de ferrovias, indústrias, a adoção de vestimentas ocidentais e a proibição de costumes que, apesar de arraigados há séculos na cultura japonesa, foram abolidos por constranger os ocidentais, como a poligamia e pintar os dentes de preto. As gueixas, entretanto, não só permaneceram intocadas, como foram promovidas pelo próprio governo como símbolos da melhor e mais bela tradição japonesa.

PRESTÍGIO E INFORTÚNIOS

As gueixas tornaram-se símbolo de uma invejável independência, que as demais mulheres no Japão de então não tinham. A partir da Restauração Meiji elas passaram a desfrutar de prestígio, tendo contato com os políticos mais influentes e os empresários mais bem-sucedidos, e de um estilo de vida glamuroso. O que elas usavam virava moda e eram imitadas por outras mulheres - o que fez com que os quimonos continuassem sendo usados pelas mulheres por mais tempo que os homens, que rapidamente adotaram o vestuário ocidental.

Gueixas viviam com luxo, freqüentavam festas, não faziam trabalhos domésticos nem cozinhavam, dedicavam-se à dança e à música, podiam ter vida sexual e não precisavam se casar. Aliás, o karyukai, o mundo da gueixa, era, como é até hoje, um mundo dominado pelas mulheres numa sociedade machista. Gueixas eram as "supermodels" da época. Tarõ Katsura, Primeiro-ministro do Japão de 1908 a 1911, assumiu uma gueixa, Okoi, como amante. O oligarca Kido Kõin casou-se com uma gueixa de Gion, Ikumatsu. Outro importante membro do governo foi mais além: o Ministro das Relações Exteriores, Barão Mutsu, casou-se duas vezes, e em ambas com gueixas. Ter uma gueixa como amante ou esposa tornou-se símbolo de status.

Se ter um rico e influente japonês como danna("patrono", amante de uma gueixa) ou marido assegurava à gueixa uma vida de conforto e prestígio, há entre as gueixas a idéia de que unir-se a um estrangeiro dá no oposto, podendo até terminar em tragédia. Tal crença é baseada na vida de algumas gueixas, que tornaram-se famosas por suas tristes histórias. A mais conhecida é a de Okichi, gueixa designada pelo xogunato para servir Townsend Harris, primeiro diplomata americano enviado ao Japão em 1856. Aparentemente ocorreu que Harris levou Okichi para sua casa em Shimoda, e com isso a gueixa entendeu que Harris a assumira como esposa, conforme os costumes japoneses da época. Harris, entretanto, sendo ocidental, sempre considerou Okichi uma mera cortesã, e mesmo tendo vivido anos com ela, sequer a mencionou em seus diários. Em 1862, Harris demitiu-se de seu posto e voltou para os Estados Unidos, abandonando Okichi, que cometeu suicídio. Até hoje, as gueixas de Shimoda prestam homenagem a Okichi, visitando seu túmulo. A história de Harris e Okichi inspirou Puccini a criar a ópera "Madame Butterfly", e teve uma versão romanceada numa produção de Hollywood em 1958, "O Bárbaro e a Gueixa", com John Wayne no papel de Harris.                              
Jovem gueixa do início do século XX

Há também a história de Yuki Morgan, gueixa que casou-se com o milionário americano George Morgan. Sobrinho do banqueiro magnata J. Pierpont Morgan, George conheceu Yuki no Japão enquanto fazia uma viagem ao redor do mundo na época da 1ª Guerra. Apaixonou-se pela gueixa e decidido a casar-se com ela, liberou-a da okiya à qual ela era ligada - foi o primeiro estrangeiro a fazê-lo - pagando a considerável soma de 20 mil dólares (cerca de 250 mil dólares em valores atualizados). Assim que se casaram, George e Yuki foram morar em Nova York, onde não foram bem recebidos. Mesmo sendo milionário, Morgan sofreu forte preconceito contra sua esposa japonesa, e decidiram então morar na França, onde viveram por 10 anos, até o prematuro falecimento de Morgan. Quando Yuki voltou ao Japão, os militares tinham assumido o poder, invadido a Manchúria e se preparavam para a guerra, e ela foi discriminada por ter se casado com um estrangeiro e vista como espiã americana. Yuki foi perseguida pelo governo, passou dificuldades no Japão durante a 2ª Guerra, e viveu em Kyoto até falecer aos 80 anos.


BONS ANOS E TEMPOS DIFÍCEIS

Nas décadas de 1920 e 1930, o Japão passou por um período de grande prosperidade econômica. Políticos, industriais, banqueiros, empresários e a ascendente classe dos militares de alta patente tornaram-se assíduos e generosos clientes de gueixas, formando uma elite vista pela sociedade japonesa como mecenas das artes. O status que a gueixa tinha e dava aos clientes inspirava muitas mulheres a seguir a profissão, embora poucas efetivamente conseguissem entrar para o reservado mundo do karyukai
Mesmo assim, em 1920, haviam 80 mil gueixas registradas ainda nos moldes do kenban no Japão. Foi o auge da população de gueixas no país.

A demanda por gueixas era tão alta, que gerou práticas perversas. Casas de gueixas administradas por okaasans ("mães", modo pelo qual as gueixas mais velhas administradoras das casas são chamadas)  gananciosas e interesseiras, tornaram-se senzalas douradas para meninas e adolescentes. 
Sempre lembradas do enorme investimento que representavam para a okiya, como se tivessem assinado uma dívida pelo resto da vida, as maikos eram exploradas pelas okaasans, que para sugar ao máximo seus ricos clientes criaram os chamados "leilões de virgindade". Quando uma maiko chegava aos 16 anos, a okaasan contatava seus clientes e lhes oferecia a gueixa pela melhor oferta. Pouco interessava se a jovem concordava ou não com a transação, e fugir de nada adiantava. A deserção de uma gueixa era vista pela sociedade como um ato de traição à okiya - até os pais das gueixas as delatavam ou as mandavam de volta. Sabe-se que nos anos 30 a virgindade de uma maiko chegou ao valor recorde de 850 mil dólares. Mesmo criticados pela imprensa, por reduzir a nobre profissão da gueixa à condição da mera prostituição, os "leilões de virgindade" continuaram sendo cínicamente praticados até a 2ª Guerra Mundial. Com a ocupação americana, tal prática passou a ser considerada abusiva, e as okaasans, temendo o fechamento de suas casas, imediatamente aboliram os ditos "leilões".

Se durante a Era Meiji as gueixas estavam na vanguarda da moda japonesa, a partir da década de 20 elas passaram a sofrer concorrência com o constante aumento da ocidentalização dos costumes no país. Em plena Era do Jazz e das melindrosas, bares à ocidental tornaram-se extremamente populares pelo Japão e surgiram as jokyûs (garotas de cafés): moças que vestiam kimonos de uso cotidiano com aventais ou à ocidental, e que serviam de garçonetes e de acompanhantes para os clientes - as precursoras das atuais "bar hostesses". Para se distinguir das jokyûs, as gueixas decidiram não se "modernizar", e assumiram definitivamente o papel de praticantes do tradicional. Desde então, modismos ocidentalizados passaram a ser desprezados pelas gueixas. A imagem de personificações da tradição fez a atividade das gueixas prosperar nas décadas de 20 e 30, período em que o nacionalismo exacerbado foi extremamente alimentado pelo governo no Japão, e tudo aquilo que representava "tradição" era valorizado.

Nos anos 40, à medida em que o Japão mergulhava na 2ª Guerra e aumentava a escassez de produtos básicos e alimentos, as gueixas continuavam com seu trabalho e estilo de vida glamuroso - as okiyas mais prósperas eram justo as que tinham como clientes empresários ligados ao governo e membros dos altos escalões militares. Isto certamente contrastava com a austeridade e os sacrifícios impostos ao resto da população civil, conclamada ao esforço de guerra "pela pátria e pelo Imperador". De súbito, em 1944, o governo determinou o fechamento de casas de chá e de bares, e proibiu as gueixas de trabalhar como gueixas. Todas as mulheres - inclusive as gueixas - tiveram que ir trabalhar nas fábricas pelo esforço de guerra. Esta situação durou até outubro de 1945, quando o governo de ocupação americano autorizou a reabertura das casas de gueixas.

O período do governo de ocupação americano (1945 - 1952) trouxe uma série de novos desafios para a gueixa. A derrota na guerra causou, além da falência das instituições, a falência de boa parte dos clientes das gueixas. Uma nova clientela teve de ser conquistada, e elas procuraram os oficiais americanos. Se antes as gueixas desprezavam tudo que representava o ocidente, agora elas procuravam aprender inglês e músicas americanas. O choque de culturas foi inevitável, e chegou a ser objeto de filmes produzidos em Hollywood nos anos 50, como "A Casa de Chá do Luar de Agosto". Mas o problema maior ocorreu entre os soldados e militares de baixa patente. Ao saber que gueixas compareciam às recepções e jantares dos oficiais, sem presenciar ou entender o que as gueixas exatamente faziam em tais ocasiões, soldados americanos passaram a achar que "gueixa" significava "prostituta" em japonês, e quando saíam à procura de mulheres - que nada mais eram que moças comuns famintas tentando sobreviver no caos do pós-guerra - perguntavam se elas eram uma "guíxa" (a pronúncia que usavam para "geisha"). Como normalmente a resposta era um aceno afirmativo com a cabeça, os soldados passaram a acreditar que as garotas que arranjavam eram "guíxas", e com isso tornou-se popular no ocidente a idéia de que gueixas eram simples prostitutas com aparência exótica.

Embora o governo de ocupação tivesse promulgado uma nova Constituição para o Japão em 1947, os americanos mantiveram em vigor as antigas regras da prostituição legalizada, com bordéis oficiais para os soldados. Embora tais estabelecimentos nada tivessem a ver com as okiyas e as casas de chá, os soldados logo as apelidaram de "guíxa houses". A prostituição no Japão deixou de ser legalizada em 1952, ao final do governo de ocupação. A atividade da gueixa quase se extinguiu neste período difícil, mas sobreviveu. Sua imagem, entretanto, foi manchada pelo choque cultural. Se no passado as prostitutas no Japão se esforçaram para não ser confundidas com as gueixas, desde o período da ocupação as prostitutas passaram a querer ser confundidas com gueixas.

Uma nova fase de prosperidade se iniciou no Japão a partir de 1953, que culminou na atual condição de 2ª maior economia do mundo. Cultivando tradições, a gueixa se permitiu algumas modernidades, como falar inglês e entreter estrangeiros (nos tempos de Okichi e Yuki Morgan, elas o faziam a contragosto e só se fossem ordenadas). E para desfazer a equivocada imagem que o ocidente tinha das gueixas, o governo passou a chamá-las para ciceronear e entreter personalidades estrangeiras em visitas oficiais ao Japão, como a Rainha Elizabeth II e o Príncipe Charles da Inglaterra, o Rei Hussein e a Rainha Aliya da Jordânia e o Presidente Gerald Ford - o primeiro presidente americano a visitar o Japão após a 2ª Guerra.

A GUEIXA MODERNA

Ser uma gueixa é mais do que uma mera profissão. É um estilo de vida que exige total e absoluta dedicação. É aceitar acima de tudo que será uma vida de servidão, que eventualmente terá grandes recompensas. Como tudo no Japão, ser gueixa é também um do, um caminho a ser percorrido pelo resto da vida. Karyukai, "o mundo da flor e do salgueiro", é o nome que se dá ao mundo das gueixas. Cada gueixa é como uma flor e um salgueiro: bela em seu próprio modo de ser como uma flor; graciosa, flexível mas forte como um salgueiro.

Há poucas décadas atrás, era comum meninas de 8 a 14 anos serem adotadas por okiyas - até mesmo vendidas pelas famílias às casas, prática que foi proibida após a 2ª Guerra. Uma lei determinando que o segundo grau completo é requisito obrigatório para os que se candidatam a uma profissão no Japão, fez com que as casas de gueixa passassem a aceitar meninas só a partir dos 17 anos de idade. Se por um lado pegar crianças para treinar como gueixas tem o benefício de dispor de mais tempo para uma educação mais cuidadosa, por outro lado é óbvio que uma criança não tem como escolher se aquilo que ela está sendo educada para fazer é aquilo que ela efetivamente quer fazer pelo resto da vida. Com tantas oportunidades que existem para a mulher na moderna sociedade japonesa, a deserção de gueixas de okiyas que investiram em seu treinamento e sustento tornou-se relativamente freqüente. Cada gueixa que deserta deixa um prejuízo considerável para a casa que a recebeu (calcula-se que o valor mínimo gasto com a educação e quiminos de uma gueixa é de 500 mil dólares). Jovens um pouco mais maduras, que decidem tornar-se gueixas por opção, tornaram-se mais interessantes para as casas.

O treinamento básico de uma jovem gueixa dura no mínimo 5 anos. As jovens gueixas aprendizes são chamadas maiko (mulher da dança). Enquanto aprendizes elas dedicarão seus dias a aulas de dança, canto, música, literatura, e na prática de uma etiqueta que mudará seus modos, gestos, até a linguagem corporal, para alcançar o padrão de elegância que se espera de uma gueixa. À noite, ela irá a festas e banquetes para entreter os convidados e observar atentamente as gueixas experientes, para aprender como agir e se portar vendo o exemplo delas. A esta prática dá-se o nome de minarai (aprender vendo). Em média, paga-se de 500 a mil dólares por hora por gueixa, sendo que nunca uma gueixa vai sozinha. Quando se "contrata uma gueixa", contrata-se no mínimo duas.

Ter namorados ou relacionamento sexual com clientes nesta fase está fora de questão. No passado, em tempos em que as gueixas eram virtuais escravas da casa, houve até a iniciação sexual de maikos através de "leilões de virgindade", praticados por okaasans tiranas e gananciosas. Tal prática foi abolida após a 2ª Guerra. Hoje, com direitos garantidos e várias opções de carreira profissional para as mulheres, nenhuma gueixa pode ser obrigada a permanecer numa okiya ou numa atividade contra sua vontade. Para evitar prejuízos com uma desistência e garantir a continuidade de suas okiyas, as atuais okaasans procuram tratar bem suas maikos e geikos. Sinal dos tempos.

Duas cerimônias marcam a passagem de gueixa adolescente para gueixa mulher. Por volta dos 18 anos ocorre a cerimônia do mizu-age (subida das águas), no qual uma maiko muda de penteado 5 vezes e, se quiser, perde a virgindade com um de seus clientes. Trata-se de um rito de passagem pelo qual a jovem gueixa passa a ser reconhecida como mulher, e ela passa a receber tanto propostas de casamento de clientes (sendo que ao se casar ela deixa de ser gueixa), como propostas para tornar-se amante de um deles (caso no qual ela pode tornar-se independente da casa à qual pertence mas continuar trabalhando como gueixa). Ser virgem aos 18 anos em tempos como os de hoje, nos quais adolescentes de 15 têm mais experiência no assunto que as maikos, é algo que deixa admirados os que têm na mente a idéia estereotipada da gueixa como uma expert no "Kama Sutra".

Quando suas habilidades já são consideradas suficientemente maduras, a jovem gueixa ganha o status de geiko (mulher da arte), o que atualmente ocorre entre 20 e 23 anos de idade. Enquanto maiko, a gueixa usa quimonos com cauda e obi largo em cascata nas costas, sempre com colarinho estampado ou colorido, maquiagem ultra-branca e o grande penteado com pente de casco de tartaruga, flores e pingentes metálicos. Ao se tornar uma geiko, ela passa a usar colarinho branco, quimonos mais discretos e penteados mais simples, ganhando uma aparência mais adulta e mais elegante. A cerimônia na qual uma gueixa aprendiz passa a ser considerada uma gueixa experiente chama-se erikae (mudança de colarinho). Isso também implica em novas responsabilidades para a geiko em relação à okiya, bem como manter-se um exemplo para as demais gueixas e auxiliar as mais jovens em seu aprendizado. As aulas de literatura, etiqueta, música, canto, dança e arranjo floral, entretanto, continuam até os 40 anos de idade. Atualmente, aulas de inglês também fazem parte do currículo.

Esta foi uma breve descrição de como são formadas as gueixas mais refinadas e caras do Japão, como as das casas de gueixas de Gion e Pontochõ em Kyoto, e de Akasaka em Tóquio. Existem também as onsen geisha (gueixas de termas), que apesar do nome são prostitutas que adotam só a aparência e se valem da fama das gueixas. São falsas gueixas que se apresentam durante o dia em teatros baratos nas cidades turísticas onde há termas, e fazem de programas com turistas à noite sua principal fonte de renda. Usam perucas e quimonos teatrais, bons o suficiente para iludir os que nunca viram uma gueixa de verdade (que são muitos, mesmo entre os japoneses), mas nada possuem da postura e das maneiras elegantes características da verdadeira gueixa. Não se pode esperar de uma onsen geisha, portanto, a capacidade de guardar segredos ou de ser discreta, como fazem as verdadeiras gueixas.

Que o diga o ex-Primeiro-ministro Sõsuke Unõ. Em junho de 1989, ao alcançar o posto máximo que um político pode almejar na carreira no Japão, Unõ tornou-se centro de um escândalo quando sua amante gueixa foi à mídia para revelar o caso e acusá-lo de avareza e arrogância. Tamanha foi a repercussão negativa, que Unõ teve que se demitir após somente dois meses no cargo. Por ter quebrado a regra nº 1 das gueixas - o voto de segredo - a comunidade das gueixas entendeu que a amante de Unõ sequer fosse uma gueixa. Quando muito, uma prostituta que se passava por gueixa. Gueixa ou não, o caso Unõ demonstrou que houve uma grande mudança de valores sociais no Japão, pois a relação extra-conjugal de um político com uma gueixa, algo que há muito tempo era aceito com naturalidade, deixou de sê-lo. As esposas japonesas, que hoje são também eleitoras, deixaram de ser tão complacentes e tolerantes com as amantes de seus maridos. A opinião pública masculina, por sua vez, achou que Unõ errou ao querer ter uma amante gueixa sem ter condições financeiras para tanto, ou seja, queria aparentar um status que não tinha condições de manter.

FUTURO INCERTO

Gueixas podem se casar, mas ao se casar deixam de ser gueixas. É comum elas se casarem com filhos ou netos de seus clientes - os próprios clientes normalmente se propõem a arranjar tais uniões. Mas via de regra, o marido japonês prefere que sua esposa não trabalhe fora, dedicando-se exclusivamente ao lar. Para uma mulher criada para dançar, tocar música, e acostumada a um estilo de vida de festas e quimonos caros, o papel de esposa confinada em casa é difícil de assimilar. Por isso, ao invés do casamento, muitas gueixas preferem permanecer solteiras e viver na okiya, dedicando-se ao karyukai até a morte. Ou, com sorte, arranjar um bom e rico danna.

Danna em japonês significa "patrono", mas no meio das gueixas designa um cliente que decide assumir uma gueixa como amante exclusiva. Normalmente os clientes de gueixas costumam ser bem mais velhos que elas - na meia-idade ou já na terceira idade, pois é em tal faixa etária que os homens alcançam o sucesso pessoal e financeiro. Quando um deles quer que uma determinada gueixa seja sua amante, ele deve negociar isso com a okaasan. Além de uma quantia a título de compensação à okiya pela educação e hospedagem da gueixa (algo que envolve algumas dezenas de milhares de dólares), a okaasan faz algumas exigências pela gueixa, para garantir que ela tenha um padrão de vida condizente com o que está acostumada, como uma casa ou apartamento próprio e uma mesada. Se o danna concordar com as exigências, e a gueixa aceitá-lo e estiver satisfeita com as condições, a gueixa torna-se independente. Mamika, famosa e refinada gueixa de Gion nos anos 90, revelou em entrevista para um documentário da tevê norte-americana que além de um confortável apartamento em Kyoto e uma mesada de 8 mil dólares, seu danna ainda lhe deu um título de sócia de um exclusivo clube de golfe e permitiu que ela continuasse atuando como gueixa. Mas quem é o seu danna, ela não revelou e nem deu pistas.

Ter um danna é o ideal de uma gueixa. Sendo amante, o danna não irá morar permanentemente com ela, mas irá visitá-la de tempos em tempos, quando então ela se dedicará totalmente a ele. E se ele concordar, quando ele não estiver ela continuará a trabalhar como gueixa. Em tais casos, a gueixa costuma trabalhar em colaboração com outras gueixas de sua casa de origem apresentando-se em jantares, com a diferença de que ela é quem fará sua própria agenda e escolherá os clientes - algo que antes era feito pela okaasan. Manter segredo sobre seu danna e fidelidade a ele são considerados deveres da gueixa. Se ela faltar com tais deveres, a comunidade a isolará, o que tornará impossível que ela continue trabalhando como gueixa. Há, obviamente, muitas vantagens em ter um danna, mas o lado obscuro disso é que a gueixa pode ficar para sempre presa a alguém que não ama.

A atividade das gueixas sempre refletiu o grau de prosperidade econômica do próprio Japão. Quando os negócios vão bem, os clientes são numerosos e generosos. Quando há recessão, as agendas se esvaziam e gueixas se aposentam. Se nos anos da "bolha econômica" as gueixas tinham agenda lotada até a madrugada, atualmente há dias totalmente livres. Além de tais dificuldades, a própria atividade da gueixa hoje está ameaçada pela mudança de valores da sociedade japonesa, causada pela ocidentalização do pós-guerra.

Desde o fim da 2ª Guerra, o Japão foi reconstruído à imagem dos Estados Unidos. Tal influência propiciou rápido crescimento econômico e mudou de súbito valores e hábitos na sociedade japonesa. Em curto período, as mulheres passaram a estudar mais e a desenvolver carreiras que antes não lhes eram permitidas nos negócios e na política. Antes da guerra, na sociedade japonesa as mulheres eram subordinadas aos homens e viviam quase sempre em grupos e ambientes separados, nas escolas, no trabalho, no dia-a-dia. Parte do fascínio da gueixa estava no fato delas serem as poucas mulheres com quem homens podiam se relacionar em nível de parceria. Hoje, com oportunidades mais justas, homens e mulheres disputam os mesmos espaços e cargos, e procuram mais a parceria que a subordinação. Tais fatores, embora positivos, reduziram o apelo que a gueixa tinha.

Impulsionado pela tecnologia da internet e da telefonia móvel, o sexo no Japão virou um produto fácil, barato e oferecido em larga escala. O enjo kõsai (relacionamento financiado) é um serviço no qual estudantes colegiais se oferecem para programas, marcando encontros pelo celular. Sendo menores de idade, essas colegiais preferem usar o celular ao invés da internet, para não deixar evidências que podem ser vistas pelos pais. Na internet, além das modalidades mais corriqueiras de prostitutas, há outras que oferecem até donas de casa, "office ladies" e falsas gueixas: há de todos os feitiches para todos os gostos. Com tanta oferta no mercado do sexo, não faz sentido para os homens, principalmente os jovens, pagar uma fortuna para ter a companhia de uma gueixa e não ir automaticamente para a cama com ela. O menosprezo pela tradição também faz com que a gueixa lhes seja incompreensível e fora de moda. Os nostálgicos costumam criticar a "ocidentalização" excessiva de valores, que transforma tudo em mero comércio, e lamentam a perda da sensibilidade dos jovens para a sedução discreta e o refinamento da gueixa. Os japoneses entendem que mesmo para se deixar entreter por uma gueixa e apreciá-la, requer um certo grau de cultura do próprio cliente. A gueixa não é para qualquer um.

Talvez esteja neste ponto o valor da gueixa, e o que fará ela sobreviver: a raridade, a exclusividade, e a personificação daquilo que há de belo na alma do Japão. Ao longo dos séculos, as gueixas sobreviveram à mudança de governos e às guerras graças à dedicação de maikos e geikos determinadas, e à capacidade de se adaptarem a mudanças sem perder sua identidade. Dizer que elas estão ultrapassadas é um exagero. As gueixas continuam sendo um parâmetro de talento, elegância, beleza e caráter feminino na sociedade japonesa - senão não haveriam tantas imitadoras. Considere-se que mesmo no meio artístico atual, as cantoras do popular estilo enka procuram adotar o visual e os modos elegantes das gueixas. Dificuldades existem, mas certamente há futuro para a tradição da gueixa.



A FONTE: www.culturajaponesa.com.br – autora: Cristiane A. Sato


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Estrutura Familiar dos Samurais

  foto: http://aidobonsai.com/2009/06/14/fotos-antigas-do-japao/



Agora que já temos uma noção geral do que era o samurai, vamos saber um pouco mais sobre a sua estrutura familiar.

A criança samurai 

Todo samurai considera ponto de honra ele próprio cuidar da educação de seus filhos, com a indispensável ajuda de sua esposa. A educação que a criança recebe por seus pais tem por finalidade moldar suas almas com os princípios da classe guerreira, tais quais: lealdade e devoção ao senhor, coragem, auto-disciplina e destemor da morte, para que assim os filhos do samurai se tornem dignos de seu nome.

Desde os 5 anos de idade as crianças já aprendem a manejar o arco-e-flecha atirando contra alvos ou em caçadas, sob a orientação paterna. Posteriormente treinam também a equitação - indispensável ao bom samurai.


A educação possuía 2 ramos essenciais:

1 - Escrita chinesa e conhecimento de clássicos japoneses e chineses

2 - Manejo de armas
 

Aos 10 anos de idade, a criança ficava durante 4 ou 5 anos recebendo educação intensiva. Isso consistia no treinamento da caligrafia, matérias gerais e exercícios físicos. A noite era reservada para a poesia e a música (os samurais tocavam o shakuhachi, a flauta de bambu japonesa).
A leitura consistia em crônicas de guerra, história antiga, coleções de máximas, etc., todos destinados a moldar uma mentalidade marcial no jovem samurai.

Aos 15 anos, o samurai é reconhecido como adulto. Nessa idade ele passa pela cerimônia do gempuku, através da qual é confirmada sua nova condição adulta. A partir daí ele passa a portar também duas espadas de verdade à cintura e tem de obedecer ao bushido (código de honra). Há também uma mudança em sua aparência, tanto no penteado como na forma de vestir-se.



A esposa do samurai


Na classe dos bushi, a mulher ocupa importantes funções, apesar de não possuir autoridade absoluta. Tem de cuidar da cozinha e das roupas de todos os membros da casa. Além disso, tem importante papel na educação das crianças: sua obrigação é incutir na mente delas os ideais da classe samurai e princípios básicos do budismo e confucionismo. Toda a educação dos filhos é supervisionada pelo marido.
Quando o samurai não se encontrava em casa, o que acontecia com freqüência, a mulher assumia o controle do lar. Isso incluía, além dos trabalhos domésticos, a defesa do lar. Em tempos de guerra, se a casa do samurai fosse atacada, a mulher tinha por função defendê-la com as próprias mãos, usando uma espécie de espada denominada naginata. Tal qual o samurai servindo ao seu senhor (daimyo), a mulher também tinha de servir ao seu marido, sendo fiel e compenetrada em suas funções. Crônicas de guerra da época nos contam sobre mulheres de samurais que, na defesa de seus lares, empunham armas, atiram com arcos e até mesmo acompanham os seus maridos em campos de batalha. Isso demonstra que elas possuíam grande sagacidade e coragem.

As crônicas de guerra, como o "Azuma Kagami", contam-nos que esposas de samurais lutavam na defesa de seus lares, empunhando alabarda, atirando com arco ou até acompanhando seus maridos nos campos de batalha. Essas mulheres demonstravam muita coragem ao enfrentarem o perigo sem medo.
Sem perder a feminilidade essas esposas, cuidavam de sua aparência vestiam-se com esmero; gostavam de manter a pele clara, usando batom e pintando os dentes de preto (tingir os dentes de preto era hábito de toda mulher casada), tiravam a sobrancelha e cuidavam com muito carinho dos longos cabelos escuros.

O casamento


Como em muitas outras culturas, o casamento era tratado mais como uma união de interesses do que propriamente uma união amorosa. Prova disso é que ele muitas vezes era arranjado pelos pais, mas com o consentimento dos jovens. Segundo velhos costumes, muitas vezes as preliminares eram confiadas a um intermediário.

No caso da mulher do samurai ser estéril, o marido tem por direito uma segunda esposa, para que esta possa lhe dar descendentes. A partir do século XV esse costume vai desaparecendo, prevalecendo assim a monogamia.

Sucessão 


Por tradição, o herdeiro do samurai tende a ser o seu filho primogênito. Entretanto isso não chega a ser regra, pois o mais importante para o samurai é escolher o filho mais apto a ser bom guerreiro, e a defender o nome de sua família. Na ausência de um herdeiro homem, ou se o samurai achar que nenhum de seus filhos é digno de honrar o nome de sua família, ele pode recorre à adoção (chamada yôshi), geralmente de um parente ou genro. 
O processo de adoção existe desde a antiguidade do Japão, e surge da necessidade primordial do samurai de encontrar um herdeiro capaz de honrar e cultuar os seus antepassados, e proteger o nome e as posses de sua família contra eventuais rivais. O herdeiro tem por função sustentar seus irmãos e irmãs, que se tornam seus dependentes após a morte de seu pai.



  foto: http://www.niten.org.br/cafe-com-sensei/listar/2007?pagina=4


Adaptado do livro: História dos Samurais, de José Yamashiro

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Naguinata

A Naginata é uma alabarda de aproximadamente 2 metros, usada intensamente no Japão feudal pelos samurais.

Existem três teorias aceitas a respeito da origem desta arma:
A Naginata teria evoluído a partir de instrumentos agrícolas usados pelos agricultores niponicos ainda em 300 a.c.
Outra teoria situa a origem em 200 d.c. como uma criação japonesa, feita inicialmente de bronze e posteriormente de aço.
A teoria mais aceita também situa a origem da naginata no início no século III, mas introduzida por chineses. A popularidade desta teoria deve-se semelhança entre a naginata e armas chinesas daquele período.

Os monges guerreiros (os Sohei e  os Yamabushi), foram os primeiros a utilizar essa arma no Japão, a fim de assegurar a proteção dos santuários contra os bandidos.

Estes famosos YamaBushi (guerreiros da montanha) e Sohei viviam nas encostas das montanhas japonesas. 
Eles eram organizados em ordem militares, como os Templários ocidentais, afim de assegurar a proteção dos santuários contra os bandidos. Tais monges foram combatentes formidáveis, alcançando muito cedo altos lugares nas Artes Marciais, reputados em todo Japão, tanto que muitos samurais iam até seus monastérios para se instruírem e aperfeiçoarem.

O cérebre monge Musashibo Benkei, companheiro do herói mais popular da história japonesa, Yoshitsune, entrou para a lenda com seu Naguinata na mão, tendo vencido mais de mil adversários. Um outro monge, do século XII, Tajima – "o Cortador de Flechas", atravessou, são e salvo, uma ponte varrida por flechas voadoras, ceifando-as com seu Naginata.
A menção mais antiga aparece no Kojiki, o mais antigo relato do Japão e em pinturas de batalha de Tengyo no ran, em 980 d.c. Muitos destes relatos anteriores da naginata associam o uso da naginata com monges Sohei. Usada especialmente contra a cavalaria, seu alcance e sua capacidade de corte serviam para inutilizar os cavalos a uma distância segura. Depois de derrubados, os cavaleiros eram abatidos. 

A popularização veio após 1000 d.C. O sune-ate, a parte da armadura que protege as pernas, surgiu como nesta época, como uma proteção contra o alcance da Naginata, que permitia ataques nesta região.

Assim como a espada, nesta época surgiram diversos estilos (ryus) de Naginata, muitos existentes ainda em nossos dias.

No Sengoku Jidai (período de mais de 100 anos de guerras civis entre os séculos XV e XVII), a naginata gradualmente substituida nos campos de batalha pela yari (lança).

A chegada da arma de fogo em meados do século XVII modificou muito a forma das batalhas no Japão. O contigente montado nas batalhas (a naginata era a principal arma contra a cavalaria), dimunuiu drasticamente com o advento dos mosquetes. Conforme o Sengoku Jidai se desenrolava, os exércitos iam tornando-se mais numerosos, com a polarização do poder nas mãos de poderosos senhores feudais (Daimyos).

Neste cenário, Yari, as lanças traziam vantagens, pois sua fabricação era mais simples e barata, e treinar um lanceiro mais rápido.


Com o início da era Tokugawa (1603-1868) e com o advento da paz, as batalhas se tornaram raras até cessarem por completo. A naginata passou a ter um papel na proteção doméstica e se popularizou também entre as mulheres. O uso da Naginata fazia parte da educação das garotas japonesas desta época. 

Com o aparecimento das armas de fogo, o Naginata deixou de ser utilizado nos combates, mas manteve seu lugar de honra nas casas aristocráticas, onde era usado pelas esposas e filhas dos samurais na defesa os seus lares. 

Existe uma teoria que atribui a popularização da Naginata entre as mulheres ao fato de as Naginatas terem sido deixadas nos lares após seu declíneo nos campos de batalha, ficando muitas vezes como ornamentos nas casas samurais. As mulheres Samurais teriam, de acordo com esta teroria, começado a praticar com a arma em seu tempo livre, visando estarem preparadas para defenderem o lar na época das guerras, quando os homens estivessem ausentes. 

Entre 1603 e 1867 – período Edo, o Naginata foi praticado pelas esposas e filhas dos samurais, não somente para auto-defesa, mas como um método de treinamento moral. A arma tornou-se decorativa, com fino acabamento em laca dourada, e era levada como dote pelas noivas aristocráticas.
É até hoje no Japão a primeira Arte Marcial feminina.


Durante a Era Meiji – 1868 – 1912, o Naguinata foi praticado com caráter de desenvolvimento pessoal – Budô, ou militar – Bujutsu. Foi também introduzido no currículo das escolas públicas, como disciplina escolar.

As primeiras associações para a prática do Naguinata formaram-se a partir de 1950, congregando mais de 15 estilos diferentes. 
Em 1953 foi instituída a ZEN NIPPON NAGINATA RENMEI - Confederação Japonesa de Naguinata, que regulamentou o estilo oficial dessa arte, reunindo as técnicas dos diversos estilos existentes. 

Os estilos mais conhecidos de Naguinata atualmente são o Tendô Ryu e o Jiki Shinkague Ryu
Em 1990 foi criada a International Naginata Federation – I.N.F., que congrega vários países e está divida em três seções : Japão, Europa e Américas. 
No Japão o Naguinata é regido pela All Japan Naginata Federation.




fonte: http://www.naguinata.com.br/historia.asp e  Enciclopédia dos Samurais -Stephen Turnbull

Seis Princípios de Treinamento




No estilo Daito-ryu é construída sobre uma fundação de seis elementos básicos. Estes são extremamente profunda e complexa e domínio do mesmo qualquer um deles requer uma grande quantidade de tempo e esforço. A habilidade para executar técnicas de Daito-ryu corretamente e completamente só vai desenvolver através de esforços constantes e árduos para tomar todos os seis em conta em todos os momentos.

Rei 礼  : Conduta formal correta pessoais

O rei termo tem sido traduzida de várias formas com palavras como etiqueta, boas maneiras, cortesia, decoro, respeito ou decoro. No entanto, rei pode ser geralmente entendida como as regras de conduta formal, correto pessoal. Historicamente, no Japão essas regras serviram na lubrificação das relações sociais e interpessoais e prevenir conflitos entre as pessoas. Daito-ryu preserva formas históricas de conduta pessoal correta, não porque eles tenham qualquer relevância particular para o desempenho das técnicas em si, mas porque eles contêm e continuar a mentalidade espiritual do guerreiro tradicional que permeia e informa a tradição Daito-ryu ainda hoje .

Metsuke 目付 : Contato com os olhos

Metsuke refere-se ao uso dos olhos. Basicamente, existem dois tipos de metsuke treinamento em Daito-ryu, um chamado mokushin (lit. "o olho da mente"), outro chamado ganriki (lit. "o poder dos olhos"). Mokushin envolve ver com o "olho da mente", muitas vezes para incluir e envolver o adversário. Ganriki, por outro lado, é um olhar afiado, penetrante, que vê as intenções de um oponente e pode ser usado para dominar e controlá-lo.

Maai 間合い : Distanciamento

Maai refere-se à distância física ou o intervalo entre as coisas. Maai muitas vezes é o fator mais importante na determinação do resultado de um encontro combativo. Às vezes acontece, por exemplo, que um combatente acha que ele estabeleceu um maai favorável apenas para tê-lo de repente passar a ser a vantagem de seu oponente. Principalmente uma forma de combate desarmado, Daito-ryu se concentra no estudo diligente da característica maai mais perto de atingir e lutando técnicas, embora maai outros também entram em jogo em algumas situações.

Kokyu 呼吸 : Respiração

Kokyu refere-se ao ar ou respiração. Nós gerar energia física e movimento mais facilmente quando expirar ou em alguns casos, quando parar a respiração, sendo que ambos são estados de yang. O oposto é verdadeiro de inalação, um estado yin. Assim, as técnicas são normalmente realizados durante a expiração, muitas vezes com uma respiração do início ao fim. Da mesma forma, considera-se ideal para qualquer momento o ataque a um instante em que seu oponente, acaba exalado e apenas começou a inalar novamente. Aproveitamos as aberturas em defesas de um oponente oferecidos pelos estados yin, com contra-ataques e defesas muitos sincronizados para coincidir com o instante de seu oponente entra - ou é feito para entrar - um estado yin.

Kuzushi  崩し : desequilíbrio

Desde os tempos antigos, a admoestação para atacar onde o adversário foi desequilibrada tem sido um axioma fundamental da teoria combativo japonês. Em nome Aikijujutsu Daito-ryu, vemos que o termo aiki foi colocado antes do jujutsu palavra, e não seria exagero dizer que este aiki refere-se principalmente (mas não exclusivamente) para o princípio da kuzushi, ou desequilíbrio, a adversário. Na verdade, um grande número de transmissões orais Daito-ryu e ensinamentos internos dizem respeito aos vários aspectos sutis da kuzushi.

Zanshin 残心 : estado de atenção consciente

Os personagens de zanshin têm os significados gerais de "permanecer" (zan-) e "mente" (-shin). 
O termo é geralmente interpretado como se referindo a um estado mental em que você continuar a concentrar sua atenção sobre o seu adversário e arredores ambiente. Eu tenho uma outra interpretação, no entanto, que é que os personagens de zanshin também pode se referir à frase "Kokoro wo nokosazu" (lit. "Não deixe nada do espírito para trás"). Isso significa dar de si mesmo tão completamente que nada resta para ser dada e assim que nada é retido. Ao praticar Daito-ryu isto significa dar todo o seu absoluto para o desempenho de cada técnica.

foto: http://aidobonsai.com/2009/06/14/fotos-antigas-do-japao/

Texto de por Kondo Katsuyuki, Este artigo apareceu pela primeira vez em Daito-ryu: Hiden mokuroku ikkajo, publicado pela Aiki News. 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Origens do Kenjutsu : Deuses e sonhos






A tradição afirma que foi  Ama-Teras-Ô-Mikami, deusa do sol e matriarca da família imperial japonesa, quem criou a primeira técnica de combate utilizando a espada, da qual se ramificaram todas as demais formas. Assim, não apenas a arma é revestida de um simbolismo especial, mas também as próprias técnicas são  tradicionalmente atribuídas aos deuses.

Os primeiros nomes dados para arte da espada da esgrima japonesa foram Tachi-kaki, Tachikae. No século I a.C., Toyoki-Irihiko-no-Mikoto, filhado Imperador Sujin, supostamente praticou tachi-kaki durante seu sono.                                                                                                                                         
O mítico príncipe Yamato-Tekeru-no-Mikoto, filho do Imperador Keikô, combateu seu antagonista, Izumo Takeru, utilizando técnicas de tachi-kaki. Além disso, diz-se foi Yamato-Takeru-no-Mikoto quem expandiu a técnica criada pela deusa Ama-Teras-Ô-Mikami, desenvolveu três posturas, chamadas Sandan-no-Kurai, que hoje são identificadas como as três posturas principais dentro da arte da espada:                                                                                                                                                      
Jodan-no-Kamae, com a espada erguida acima da cabeça;
Chudan-no-Kamae, com a espada na horizontal apontando para o oponente;
Gedan-no-Kamae,  a postura com a ponta da espada abaixada.

foto: http://osapienciax.blogspot.com.br/

Conta a história que na segunda parte do século dezesseis, Shigenobu Jinsuke (1542-1621) teria recebido inspiração divina durante um sonho e desenvolvido uma nova arte de desembainhar a espada. Depois desta revelação, Jinsuke fundou a Shimei Muso Ryu e foi uma das primeiras pessoas a ensinar as técnicas da espada como uma via para o desenvolvimento espiritual. Apesar de não ser o criador do Iaijutsu, sua influência foi tremenda e mais de duzentas escolas têm suas origens ligadas a Jinsuke.

De acordo com Kaifuso, a mais antiga coletânea de poemas japoneses, por volta do século VII, o filho do Imperador Tenmu, Ôtsu-no-Miko, possuía uma grande reputação de atingir os seus inimigos com uma espada. O verbo "atingir", em japonês, pode ser traduzido como geki, ao passo que a espada pode ser traduzida com Ken. Isso posteriormente geraria o termo gekiken  para denominar a arte de combate com a espada japonesa, ao longo dos séculos que se passaram com nomes: Heiho, Kenpo, Toho, Gekken, Hyodo, Tojutsu, Tachiuchi, Hyodo, mas o nome mais conhecido em todo o mundo é Kenjutsu.

O termo "Kenjutsu" apareceu pela primeira vez em 1281 d.c., após as tentativas dos mongóis de invadir o Japão. Nesta época os samurais começaram a aprimorar as técnicas da espada, levando o desenvolvimento desta a um nível nunca alcançada por nenhuma outra cultura na história da humanidade.



Fonte: livro Peregrinos do Sol, arte da espada Samurai  e o texto "Uma Breve História do Iaido" Por Gustavo Gouveia 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Os Deuses da Arte da Espada Japonesa


A arte da espada japonesa sofreu influências de inúmeras culturais, filosofias e religiões.  Assim, ao longo do tempo, inúmeros deuses foram reverenciados por seus praticantes.
Vamos cita três deuses inicialmente :

Take-Mikazuchi-no-Kami
Futsu-Nushi-no-Kami
Marishiten

Nestes deuses reverenciados foram escolhidos por aparecerem com certa frequência em inúmeros escritos e tradições da arte da espada.
Além disso, os documentos de estilos das artes marciaisjaponesas como diplomas de graduação, não raro citam divindades para explicar as origens do estilo, seus ensinamentos ou até mesmo garantir que o praticante não divulgue de maneira leviana o conteúdo do estilo.

Estátua do Take-Mikazuchi-no-Kami no Santuário de Kashima

 Tori (portal) no Santuário de Kashima


Take-Mikazuchi-no-Kami :
Dentro das tradições shintoístas, Take-Mikazuchi-no-Kami ocupa uma posição de suma importância para artes marciais.
Também chamado Take-Mikazuchi-o-no-Kami, Takefutsu-no-Kami ou Toyofutsu-no-Kami, ele é um dos três deuses nascidos das gotas de sangue da espada Ame-no-Ohabari. Esse sangue foi derramado quando o deus Izanigi-no-Mikoto, um dos criadores do Japão, decapitou seu filho Kaguzuchi, o deus do fogo.
De acordo com as lendas, Take-Mikazuchi-no-Kami participou da pacificação do país de Ashihara-no-Nakatsu, em um embate entre os deuses do céu (Amatsu-Kami) e os deuses da terra (Kunitsu-Kami). Nesse confronto, ele cravou uma espada no chão, com ponta para cima, e se sentou  sobre ela sem se ferir, em uma demostração que sua provava a sua invulnerabilidade  as armas e, portanto, seu poder enquanto divindade marcial. Por isso, ele foi considerado deus das artes marciais, do exército, da espada e do arco e flecha, sendo venerado no santuário de Kashima, na província de Ibaraki. Ainda hoje, muitos locais de treino penduram o nome  do santuário de Kashima para simbolizar a sua ligação com artes marciais.
É interessante destacar a composição do seu nome , Take indica “marcialidade”, ao mesmo tempo em que é relacionado com “criação”, “construção”. Mikazuchi significa “relâmpago”, simbolizando a velocidade fulminante e o forte ímpeto dos ataques. Por fim Kami significa “deus”.
Importante notar que, dentro das Três Joias Divinas do Japão ( a espada, o espelho e a joia), a espada é a única que possui o poder de criação.


 Santuário de Katori.


Futsu-Nushi-no-Kami:
Juntamente com Take-Mikazuchi-no-Kami, Futsu-Nushi-no-Kami também possui uma forte ligação com a artes marciais.
Conhecido também com Iwai-Nushi-no-Kami, ele aparece apenas no escrito Nihon Shoki, sendo o filho de dois deuses nascidos das gotas de sangue da espada Ame-no Ohabari.
Futsu, em japonês, representa o som que denota a facilidade com que uma espada corta o alvo, simbolizando assim o poder da arma, extremamente afiada e cortante.
Assim com Take-Mikazuchi-no-Kami, Futsu-Nushi-no-Kami também participou da pacificação de Ashihara-no-Nakatsu, e algumas fontes consideram que os dois são na realidade uma única entidade.
Este divindade é cultuada no santuário de Katori, na província de Chiba. Muitos locais de treino também penduram o nome do santuário de Katori, da mesma forma que o santuário de Kashima.
Os dois deuses e respectivos santuários ocupam um lugar extremamente importante nas tradições da arte da espada japonesa.

 Um fato interessante que aconteceu no passado por volta de 1447 D.C. que um dos discípulos do Fundador Katori Shinto ryu foi lavar um cavalo numa nascente chamada Fonte Divina ou Fonte do Deus, perto do Santuário Katori. Pouco tempo depois, o cavalo começou a sofrer de dores e morreu.
Para Choisai sensei, esse acontecimento foi uma revelação do poder divino da divindade xintoísta adorada no Santuário Katori, divindade chamada de Futsunushi-no-Kami. A morte do cavalo deu-lhe uma espécie de intuição espiritual do poder da divindade. Por isso, ele decidiu passar mil dias em adoração no Santuário Katori. Nesse período, dedicou-se a austeras práticas de purificação e estabeleceu para si um cronograma rigoroso de treinamento marcial.
Ao final desse período de penitência e treinamento, ele estabeleceu os ensinamentos que constituem a Katori Shinto Ryu.
Choisai Sensei acreditava que havia descoberto os ensinamentos diretos e verdadeiros do deus Futsunushi-no-Kami, adorado no Santuário Katori, e por isso antepôs ao nome Katori Shinto Ryu a expressão tenshin shoden, que significa “tradição celeste”. Isso nos dá o nome completo da tradição, ‘Tenshin Shoden Katori Shinto Ryu’, que significa ‘a tradição marcial que é o caminho dos deuses’. Como a palavra ‘Shinto’, que significa ‘o caminho dos deuses’, significa o caminho verdadeiro e correto que os homens devem seguir, à semelhança de todas as tradições xintoístas que nos foram transmitidas desde os tempos antigos, está implícita nela a idéia de um caminho que as pessoas devem trilhar com um coração sincero. Ao que parece, foi assim que Choisai Sensei entendeu esse conceito e usou-o em sua tradição marcial.”



 Estátua da deusa Marishiten.



 Marishiten:
Chamada de Marici em sânscrito, ela é considerada a deusa do alvorecer, ao mesmo tempo em que é a deificação da miragem, da coroa solar ou raios do sol.
No Mikkyô, o budismo escotérico, o Buda que representa o Sol é Mahavairocana  (Dainichi Nyorai). A deusa Marishiten tem função levar a luz do Buda para a terra, por issso ela é vista como uma entidade (Bodhisattva) que salva as pessoas em nome de Buda, sendo chamada de Marishiten Bosatsu.
Além disso, como a luminosidade do sol é muito grande, se diz que não é possível ver a deusa. Ou seja, também é considerada uma deusa invisível que vela pelos homens.
No Japão, esta deusa foi introduzida na Era Heian e foi adorada pelos guerreiros, sendo a deusa para quem oravam pela vitória. Marishiten foi escolhida por ser representação da miragem, aquela que não pode ser atingida. Assim, uma deusa invisível que protegia as pessoas contra os ataques dos inimigos era uma divindade perfeita para reverenciada pelos guerreiros.
Muitos estilos prestavam homenagem  a essa deusa. Ainda hoje, há estilos que recitam palavras dedicadas a ela antes de iniciarem o treinamento.

Fonte: Peregrinos do Sol, Arte da espada Samurai