quinta-feira, 24 de agosto de 2023

廃刀令 HAITÔREI

 A proibição do Katana


Mesmo com o fim das guerras durante o 江戸時代 Edo Jidai (período Edo), comandado pelos 将軍 Shogun da família Tokugawa de 1603 a 1868, o Japão permaneceu violentamente impotente no domínio dos Samurai. Muitos foram os fatores dessa desordem, como dificuldades da política nacional e internacional, crises domésticas sérias na sucessão do XIII Shogun no 幕府 Bafuku, entre outros. Entrementes, a chegada de uma esquadra dos Estados Unidos de quatro navios, comandada pelo Comodoro Matthew Calbraith Perry em julho de 1853, chegou à baía de Edo, no porto de 浦賀Uraga exigindo a abertura dos portos japoneses ao comércio e navegação estrangeira.

Apesar de apenas quatro navios, os japoneses os temeram e os batizaram de 黒船 Kurobune (Navios negros), que impressionavahaitourei01 pelo seu poder bélico e modernos equipamentos e instrumentos. Iniciando assim uma cadeia de eventos que levariam ao fim do 江戸幕府 Edo Bakufu (Shogunato) no Japão.O responsável em realizar as negociações com os EUA foi o presidente do conselho dos veteranos 阿部正弘 Abe Masahiro(1819-1857). Sem nenhum precedente para as negociações, Abe tentou conciliar as vontades divergentes dos conselhos dos veteranos, que queriam abrir negociações, do Imperador, que queria manter os estrangeiros fora, e dos Daimyô, que queriam ir à guerra. Sem um consenso sobre a situação, Abe decidiu favorecer os acordos americanos, permitindo assim abrir o Japão ao comércio estrangeiro, contanto que ao mesmo tempo fosse feita uma preparação militar. Em março de 1854, foi assinado o Tratado da Paz e Amizade 神奈川条約 Kanagawa Jôyaku (ouTratado de Kanagawa), que concedia a abertura de dois portos a navios estadunidenses em busca de suprimentos, a ajuda a náufragos e a permissão a um cônsul dos Estados Unidos de estabelecer uma morada em下田Shimoda, um porto marítimo na península de 伊豆 Izu, a sudoeste de Edo. Cinco anos mais tarde, a abertura de mais portos para navios dos EUA foi forçada ao Bakufu através de tratados, mostrando o início do declínio de poder do Shogunato.
Com a chegada 明治時代Meiji Jidai (Era Meiji) que se constitui no período de trinta e cinco anos do Imperador Meiji do Japão, que se estendeu de 11 de maiode 1867a 28 de dezembrode1902. O Japão conheceu uma acelerada modernização, vindo a constituir-se em uma potência mundial.
                                                                                                               
Nesse período um édito emitido pelo governo de Meiji no dia 28 de março de 1876, chamado 廃刀令 Haitôrei, séries de normas levado pelo governo para abolir os privilégios tradicionais da classe Samurai, proibi as pessoas, com a exceção de senhores anteriores (大名Daimyo), o exército e funcionários de execução da lei, de carregar armas em público. Violadores teriam as suas espadas e armas confiscadas. 
 
 
O primeiro Haitôrei de 1870 proibiam fazendeiros ou comerciantes de portar espadas e se vestir como Samurai. Esta medida era em parte um esforço para restabelecer segurança pública e por ordem imediata durante o tumultuoso período depois da restauração Meiji e durante a Guerra de 戊辰 Boshin (guerra civil, travada de 1868 a 1869 entre forças do governo do Shogunato Tokugawa e aqueles que favoreciam a restauração doImperador Meiji). 
 
Em 1871, o governo emitiu o vergonhoso Édito de 断髪令 Danpatsurei, que constrangia o Samurai a cortar o 髻 Tabusa (rabo de cavalo) e usar o cabelo da maneira Ocidental. Conscrição militar universal foi instituída em 1873, e com a criação do Exército japonês Imperial, o Samurai perdeu o seu monopólio em serviço militar. Os estipêndios hereditários providos ao Samurai pelos senhores feudais (e assumido pelo governo central em 1871) foi abolido igualmente em 1873. A proibição das espadas era controversa na oligarquia de Meiji, mas o argumento não era anacronismo de acordo com a ocidentalização do Japão. 
 
Estas mudanças na sociedade japonesa e no estado social e econômico do Samurai causou o descontentamento no inicio do período Meiji e conduziu a várias rebeliões conduzidas por Samurai, particularmente no Japão ocidental e 九州 Kyûshû. No entanto, essa decadência da classe Samurai já vinha antes da Era Meiji, com essa realidade dura da classe, muitos deles se associaram aos 町人Chônin (comerciantes), em geral eram Samurai de classe inferior, que confeccionavam artesanatos destinados a complementar o seu estipêndio, já insuficiente para viver. Assim, essa classe que desprezava os comerciantes e os via como classe inferior, agora estava submetido e dependente deles.
 
Foi nesse mesmo período que o status de Samurai se tornou negociável, com a evolução da economia monetária, ricos comerciantes adquiriam o titulo de 武士 Bushi mediante o 献金 Kenkin (contribuição, doação) em dinheiro ao senhor do Feudo, conseguindo assim o direito de usar 苗字帯刀 Myôji Taitô (sobrenome e Katana).
 
Também como resultado do Haitôrei, espadas perderam o papel utilitário delas, e muitos 打物師 Uchimonoshi (artesãos de espada) foram forçados a modificar a produção para instrumentos agrícolas e talheres de cozinha para sobreviver.
 
Em pouco tempo, o mercado para espadas faliu, e muitos artesãos sem um comércio para trabalhar e suas valiosas habilidades estavam perdidas. No entanto, a necessidade para armar os soldados com espadas foi percebida novamente e durante as décadas no começo do século XX os artesãos novamente acharam trabalho.
Japanese Gunto
Estas espadas, conhecido como 軍刀 Gunto (espada militar), que eram frequentemente de baixa qualidade e determinado com um número de série em lugar de uma assinatura do artesão. O Katana permaneceu em uso em algumas ocupações e pela policia para capturar os criminosos e se defender daqueles que poderiam estar armados também com espadas. Por esse motivo, o 剣道 Kendô foi congregado no treinamento policial de forma que o treinamento daria o mínimo de habilidade necessária em usar corretamente essa arma.
 
 
Embora tenha sido um tempo sombrio para o Katana, a arte foi mantida viva graças aos esforços de alguns indivíduos, como a linhagem 月山 Gassan de ferreiros que foram empregados como artesãos Imperiais. Os notáveis ferreiros, 月山貞一 Gassan Sadakazu月山貞勝 Gassan Sadakatsu produziram boas peças igualadas as melhores das lâminas antigas para o Imperador e outros funcionários de altas posições. Os estudantes de Gassan Sadakatsu foram designados Ativos Culturais Intangíveis ou Tesouros Nacionais Vivos, pois encarnaram conhecimentos que eram considerados de fundamentalmente importância à identidade cultural japonesa.
 
 
Em 1938 o governo japonês emitiu uma especificação militar para o que chamado "Katana Tipo 98", muitas máquina e espadas artesanais usadas na segunda guerra mundial se acomodasse a esta especificação. Debaixo da ocupação dos Estados Unidos, ao término da segunda guerra mundial, todas as forças armadas foram dissolvidas, exceto as várias licenças emitidas pela polícia e governo municipal, as produções de Katana com fio foram proibidas.Porém, esta proibição foi extinta depois pela atração pessoal do 本間順治 Dr. Homma Junji e o General Douglas MacArthur, que durante uma reunião, Dr. Homma demonstrou lâminas dos vários períodos da história japonesa e o General MacArthur que era um estudante dedicado e que podia identificar quais lâminas eram de importância artística e as quais poderiam ser consideradas puramente armas. Como resultado desta reunião, a proibição geral foi corrigida de forma que a espada classificada de Gunto seria destruída e espadas de mérito artístico poderiam ser possuídas e preservadas. Mesmo assim, foram vendidos muitos Katana a soldados americanos que tiveram dinheiro para gastar a um preço de pechincha ou eram simplesmente roubadas. Algumas permaneceram escondidas, entre elas espadas de renome.
 
 

Nbthk

A partir de 1958 havia mais espadas japonesas na América que no Japão, devido a este desarmamento: Soldados americanos voltavam do Oriente com várias espadas, frequentemente tantas quanto poderia levar. Provavelmente milhares de espadas eram Gunto, mas ainda havia um número considerável de 古刀Kotô (espada antiga - 938 - 1596), 新刀 Shintô (espada nova - 1596 - 1764) e 新々刀 Shinshinto (mais novas 1764 - 1868). Artesãos tinham crescentemente voltado a produzir depois do período Edo, mas este desarmamento e regulamentos subsequentes quase acabaram com a produção de Katana. 

Alguns ferreiros continuaram o seu comércio, e Dr. Homma foi um dos responsáveis pela fundação do 日本美術刀剣保存協会 Nihon Bijitsu Token Hozon Kai (Sociedade japonesa para a Preservação da Arte da Espada) que manteve a missão de preservar as antigas técnicas de confecção de espadas. Com os esforços de outros entusiastas e especialistas, o Katana renasceu e muitos mestres continuaram seu trabalho redescobrindo as antigas técnicas e produzindo espadas tão boas quanto as lâminas de antigamente. 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

伝 DEN (TRADIÇÃO)

Conforme alguns dicionários, a palavra Tradição vem do latim: traditio, tradere, que significa: entregar; em grego, na definição religiosa do termo, a expressão é paradosis (παραδοσις) é a transmissão de práticas ou de valores espirituais de geração em geração, o conjunto das crenças de um povo, algo que é seguido conservadoramente e com respeito através das gerações.

A partir dessa acepção, notamos sua importância, com a sua conservação tornamos seus personagens imortais e uma conexão de conhecimento entre as gerações.

Uma tradição pode ser cultural, religiosa, familiar e outras formas que devem ser transmitidas (entregues) as gerações seguintes. Mas, uma tradição é imutável?

Como a própria definição indica, uma tradição deve ser seguida rigidamente e com respeito. Porém, podemos dizer que é quase impossível uma tradição, sendo ela qual for, ser transmitida por séculos de forma inabalável.

Nas Artes Marciais, podemos classificar de uma corrente tradicional 古流 Koryû as que se originaram antes da Restauração de 明治 Meiji (o período de 1866 a 1869) e os sistemas de artes marciais japonesas que sucedem a Restauração de Meiji são conhecidos como 現代武道 Gendai Budô ou simplesmente 新流 Shinryû (nova escola).

Nas Artes Marcais (武芸 Bugei), principalmente as clássicas, englobam traços culturais, religiosos e mesmo familiar em sua formação. Entretanto, é impossível para uma escola (流派 Ryûha) conseguir sustentar de forma inalterável todos seus ensinamentos durante várias gerações.

Para entendermos melhor como funciona a transmissão desses conhecimentos, precisamos conhecer alguns termos:

makimono_2Um 宗家 Sôke (originador ou sucessor de uma família/clã/escola) pode transmitir seu conhecimento aos seguidores de forma verbal (口伝 Kuden), espiritual (心伝 Shinden), física (体伝 Taiden) e escrita (伝承 Denshô e 巻物 Makimono).

Na transmissão Kuden, o mestre imprimi seu conhecimento ao aluno de forma verbal, no Taiden de forma física, mostrando as técnicas da escola e complementando os detalhes verbalmente. Muitos dos conhecimentos marciais continuam e continuarão sendo passados dessa maneira. Quando esse ensinamento transcende a forma física é classificado como Shinden, na qual a ligação do aluno e mestre se tornou muito íntima e espiritual.

kuki-denshoO Denshô é o que podemos chamar de livro técnico da tradição marcial. Nele é manuscrito a maioria das técnicas (Waza), fundamentos (Kihon) e formas pré-estabelecidas (Kata) inclusas na escola. 

Existe também o Makimono ou pergaminho na qual lista os nomes das técnicas, formas pré-estabelecidas (Mokuroku) e nome dos sucessores. Em muitos Makimono são ainda encontradas as lendas, histórias, posturas (Kamae) e segredos (Okuden) desenhados manualmente pelo Sôke. Com o passar das gerações, esses documentos podem se deteriorar, e com isso devem ser refeitos pelo sucessor. 

Outras vezes a reformulação, mudanças e inclusão de novas técnicas fazem também a necessidade de uma nova edição de um pergaminho.

Muitas tradições foram transmitidas sem os documentos manuscritos, somente de forma verbal, isso poderia acontecer para conservar o conhecimento da arte restrita a poucos membros e dificultando que os conhecimentos caíssem em mãos erradas. 

Porém, mesmo na transmissão documentada, se um desses documentos fosse roubado ou parasse nas mãos de um inimigo, pouco valeria, pois eles eram feitos com difícil interpretação e até mesmo codificada, de modo que somente nas mãos de um praticante avançado teria algum significado e valor.

Também era prática menos comum no Japão, a transmissão dos documentos para um segundo sucessor. O primeiro a receber é classificado de 表宗家 Omote Sôke (Sucessor visível ou aparente), porém, por motivo de segurança e perpetuação da tradição, uma segunda pessoa recebia uma cópia dos documentos, sendo um 裏宗家 Ura Sôke (Sucessor não visível ou escondido). Se algo acontecesse ao Omote Sôke, a arte não se extinguiria como aconteceu com muitas tradições Marciais.

Existe também a transmissão dentro do berço familiar ou 家伝 Kaden, onde, muitos Sôke somente transmitiam seus conhecimentos para um único filho, chamado 一子相伝 Isshin Sôden, ou para algum membro da família ou do mesmo com laço sanguíneo.

Entendendo um pouco do procedimento de transmissão nas tradições Marciais, conclui-se que muito pode se perder ou modificar conforme passam as gerações. 

Por esse motivo, torna-se imprescindível, a transmissão do conteúdo de uma escola de forma rígida e o mais fiel possível aos documentos passado aos sucessores e, somente dessa forma uma tradição poderá seguir para as próximas gerações. 

Isso cabe ao sucessor, que interpreta esses documentos e juntamente com a experiência obtida de seu mestre, estrutura a didática e mantém o mais leal da sua essência original.

Para melhor esclarecer esse processo pegamos como exemplo, o termo japonês Shuhari. Todo praticante de Artes Marciais deve passar pelo caminho de forma gradativa e seguir a ordem seguinte:

Shu (preservar), 破 Ha (quebrar) e 離 Ri (descartar).

Pular ou ignorar essa seqüência, certamente estará ignorando e destruindo o fluxo da tradição.

Muito saliento aos meus alunos sobre essa importância, a pratica do Henka (破 Ha) é muito importante para desenvolver a liberdade e sensibilidade técnica, porém somente deve-se dar ênfase a esse estágio, quando seu fundamento (守 Shu - Kata/Kihon) está estruturado. 

Manter uma padronização técnica é importante, pois só assim poderão quebrar essa forma sem a preocupação de desviar o caminho da tradição e naturalmente percorrer na direção do último estágio (離 Ri).

É comum vermos praticantes que querem copiar seu mestre e esquecem que ele já alcançou o nível elevado de seu caminho, e esse aluno ainda se encontra no inicio do mesmo. É nesse ponto que mora um grande inimigo da tradição.



fonte:


https://www.uwbk.com.br/tradicao/73-artes-marciais-bugei/253-den-tradicao

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Reflexões

 Os mestres fundadores no auge das arte marciais usaram as atitudes corporais e posições do corpo que não transmitem nem de forma ofensiva, nem de forma defensiva, a famosa “forma sem forma” que os mestres clássicos expressavam através do conceito de “mukei no kurai (無形之位).

O mestre ofereceu uma posição e uma atitude de neutralidade a partir de um espírito de vazio interior, esse espírito permeou o movimento do corpo do mestre, criando uma forma de movimento onde o inimigo (teki;敌) não pode sondar ou coletar qualquer informação , este o que vemos em termos de “  “(空),”vazio” e “ Kokû ”(虚空) que poderíamos interpretar como “abertura na distância e no espaço”.

A partir desta posição e atitude corporal o mestre esperava o ataque do inimigo até o último momento, o mestre expressa seu espírito em um movimento de ser sem ser, ele é mas não é, permanece em estado de zanshin (残心) ou atitude de alerta interno máximo e expressão mínima de forma e presença externa, antes, durante e depois da técnica ( Zanshin no Kamae ; 残心の構). 

Esta é a expressão de “ mienai waza ” (見えない動き) e “ wakaranai waza ” (分からない動き) ou técnicas incompreensíveis e invisíveis e fazem parte do que é chamado no kobujutsu como Hiden (秘伝) ou segredo de transmissão e escondido.

É importante acrescentar que a partir dessas posições sem forma e de vácuo interior os mestres fundadores desenvolveram a habilidade de criar uma aura sensorial através de sua percepção e estado de vácuo, levando-os a desenvolver a técnica de “sacchi suru” (察知), poderíamos interpretá-lo como prever ou sentir o perigo, é a técnica de antecipar, ler e ouvir o movimento do adversário ou uma situação perigosa.

Portanto no último momento do ataque o mestre estava efetuando um movimento onde escondia sua forma corporal e sua atitude interior e realizava um movimento de ataque e defesa em uníssono, o que se entende sob o conceito de “jiyujizai” (自由自在) .

Esses argumentos de não emissão de movimentos e transferências de peso do corpo, podem ser encontrados em diferentes correntes marciais e em diferentes conceitos tradicionais utilizados pelos mestres na transmissão, como por exemplo:

 “Musoku no hô” (無足法) que pode ser interpretado como “Método de deslocamento sem pernas”, 

“ Musoku-nin ” (无 足 人) que pode ser interpretado como “pessoas que não são pernas”, 

“ Kagefumi (影踏み) que pode ser interpretado como “ um passo na sombra”,

 “ Mizudori no ashi” (水鳥足) que poderia ser interpretado como “os pés do pássaro na água”, 

Kieru Ugoki” (消える動き) que poderia ser interpretado como “Para extinguir o movimento” ou podemos simplesmente reconhecer este conceito em nome do atual, porque sua cultura e arte do movimento é baseada nessa invisibilidade do movimento, por exemplo Kage-ryū (影流), Togakure-ryû (戸隠流) ou Gikan-ryû (義鉴流).

Para dar vida e sentido a todos estes termos, é vital o Kuden (口伝) ou transmissão oral, o Taiden (体伝) ou transmissão através do movimento do corpo e o Shinden (心 伝) ou transmissão através de o coração do mestre ou Shishō (師匠) da arte.

 Sobre termos e técnicas que pertencem a conceitos dentro do que há de mais misterioso na arte e que, portanto, pertencem aos mistérios do coração e do espírito da última técnica ou Estado, “gokui” (極意) .


Para fechar a nota darei cinco exemplos onde podemos dar sentido aos parágrafos da nota postada acima:

a) “ Kage no kurai ” (陰之位) ou atitude corporal da sombra, onde o mestre passa de um Estado de “ Fudô-shin ” (不動心) ou estado de espírito imutável com capacidade de adaptação a qualquer situação de perigo, dentro desta adaptação há o sentido do kanji em “ koryû ” de fluir ou nagare (流れ).

b) “ Otonashi no Kamae ” (音無しの構) ou a posição do corpo sem som, sem som na mente ou no coração, e claro é uma metáfora para não emitir sinais no movimento do corpo do não som.

Aqui acho importante ressaltar algo que os mestres repetem durante a prática: “ quando você praticar em uma sala fechada, uma sala onde não haja ruído interno, cuide de forma muito cautelosa com o seu movimento de forma que não produz som ao te mover ”, esta é uma metáfora para o estado de aprofundamento da prática que os mestres buscavam incutir em seus discípulos.

Quem “ está dentro está fora ”, não produz som externo é uma forma de cultivar o silêncio interior da dualidade mente e ego, abrindo caminho para o movimento interno, o movimento do coração.

c) “ Munen Muso no Kamae ” (無念無想の構) ou “ Mu Gamae ” (無構) a posição e atitude corporal sem forma, posição e atitude corporal da intenção de não intenção e não pensamento.

d) “ Kata Yaburi no Kamae ” (型破の構) ou a atitude e posição corporal de quebrar a forma do oponente através da quebra da sua própria forma, é uma metáfora na qual através da técnica recebida, busca inserir-se na praticante o paradigma da quebra interna do ego mau (o ego bem compreendido é uma parceria para o desenvolvimento) e da rigidez da mente, dando lugar à fluidez e adaptabilidade do coração e do espírito em movimento livre com ajustabilidade múltipla.

e) “ Kasumi no kamae ” (霞の構) ou atitude e posição corporal do nevoeiro, mais uma vez verificamos que os mestres clássicos usam nomes que aludem a metáforas, metáforas que os mestres usavam querem evocar imagens na mente e emoções (o termo emoção vem do latim “emotio” que significa “movimento ou impulso”, “o que te move”) para promover e impulsionar o discípulo a mergulhar abaixo da mente consciente, trabalhando com o poder da mente subconsciente.



quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Reflexões

 Isso nos leva a pensar que todo pensamento, emoção e ação fazem sentido na vida e o modo de prática que visa alcançar o domínio na arte do “koryu”, o controle da presença corporal é trazido para o espaço de uma indagação “quase” espiritual, é o estudo da vida e da morte através da experiência no caminho da prática e indagação com o corpo, a mente e o coração da corrente e a fonte de um “ryu”, durante o dia e durante o noite.

O sentido último de todas as ciências do combate, das artes marciais e da estratégia é progredir e se adaptar a qualquer ambiente, atmosfera e realidade, a habilidade de um “ ryu ” é a arte de se adaptar do passado, ao momento presente, ao aqui e agora e projetar no futuro, de forma incompreensível e invisível (“mienai – “見えない”-invisível) (“wakaranai” “-分からない” – incompreensível) através do qual os mestres marciais clássicos chamavam kami waza (神技) ou técnicas divinas.

Acho que este último parágrafo levará o leitor a refletir sobre a grande profundidade que envolve o estudo de uma arte marcial clássica, é análoga à busca com o encontro espiritual através da religião de um ser humano com o Espírito Santo (seirei;霊). 

Quando o homem acredita em algo, quando algo é a realidade inquestionável, é religioso.” Religio” não vem, como dizem, de “religare”, estar atrelado o homem a Deus. Como tantas vezes, é o adjetivo que nos mantém o significado original do substantivo, e “religiosus” significava 'escrupuloso'; “ portanto, ele não se comporta levianamente, mas com cuidado ” em cada ato e ação de sua vida “parágrafo adaptado para o artigo, o texto real é do autor “Ortega y Gasset no ensaio do Império Romano”.

Voltando à “ forma informe ” e para esclarecer um conceito tão difuso, penso que estas palavras de Sun Tzu no seu tratado sobre a “ arte da guerra ” servirão de apoio e reflexão para aprofundarmos o estado “quase místico” que adota um mestre especialista ou “meijin” (名人) em um “koryu”.